terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Entre livros e canções

O escritor e compositor Mauro Santa Cecília lança nesta terça-feira, dia 22, o CD Vou à Vila – em que interpreta canções inéditas e sucessos como Por você – e seu segundo romance, Argos (Móbile Editorial), história de um jovem solitário que se envolve num golpe cibernético. Em entrevista à Shahid, Mauro fala sobre os desafios e os prazeres de produzir seu primeiro disco autoral, sobre composições, inspirações, letras e livros.


Vou à Vila é um CD autoral, do qual participaram músicos de expressão como Frejat, Leoni e integrantes do Blues Etílicos. Qual a importância deste trabalho para você?
É a realização de um sonho. Quando compus com Frejat e Maurício Barros minha primeira canção, Por você, imaginei que um dia poderia gravar um disco autoral. Agora, 15 anos depois, isso foi concretizado. Mas quero deixar claro que não tenho a pretensão de virar cantor. É um disco de letrista interpretando suas próprias músicas. E eu tive a sorte de contar com grandes parceiros nesta empreitada. De Frejat, Maurício Barros e Cia. (Barão Vermelho) a Hyldon, Jards Macalé, George Israel (Kid Abelha), Omar Salomão, Humberto Effe (Picassos Falsos), Sideral e também o futuro: Rafael Frejat, filho do líder do Barão, e Júlio Santa Cecília, meu filho, com quem compus a inédita Sob os olhos um oceano. O CD conta com seis regravações, entre elas Por você e Amor pra recomeçar, e cinco músicas inéditas.

Como nasceu o projeto do disco? Quais foram os prazeres e desafios ao longo de sua produção?
A ideia surgiu lá atrás, em 1998, com a minha primeira música gravada. Mas o projeto em si começou a tomar forma no final de 2011, quando o baixista do Barão Vermelho, Rodrigo Santos, me disse que eu deveria gravar um disco, que eu era afinado, tinha boas músicas e que ele queria produzir o trabalho. A minha editora musical, a Warner Chappell, topou o projeto, que durou quatro meses envolveu 30 músicos - todos do Barão Vermelho, Sergio Serra (ex-Ultraje a Rigor), Cláudio Bedran e Pedro Strasser, do Blues Etílicos, Luce (guitarrista que tocou com Cazuza, Cássia Eller e Lobão), Nilo Romero (baixista e produtor do Cazuza), Qinho, um dos mais talentosos artistas da nova geração, Humberto Barros (tecladista de várias bandas do pop rock) e Maurício Negão, entre outros. Foi muito prazeroso reunir essa turma toda, acompanhar a elaboração dos arranjos e participar da montagem das canções. Eu passei a ouvir música de outra maneira. O maior desafio foi tentar cantar de forma simples, colocada, sem tentar qualquer espécie de floreio. O destaque do disco são as composições e os arranjos, os timbres. A voz não podia atrapalhar.

O lançamento do CD coincide com o lançamento do seu segundo romance, Argos, pela Móbile Editorial. A elaboração dos dois foi paralela?
Não, eu escrevi o romance primeiro. Levei dois anos, de início lendo muita coisa e em seguida botando a mão na massa propriamente. Minha intenção era ter lançado o disco e o livro em 2012, quando fiz 50 anos, uma data redonda. Mas o CD levou mais tempo do que o previsto para ser fabricado e o lançamento acabou ficando mesmo para 2013. Por coincidência, todos os meus três livros publicados anteriormente (dois de poesia e um romance) foram lançados em anos ímpares. Então, ainda que por caminhos tortos, esta tradição do que vem dando certo foi mantida.

Como é para você conciliar as carreiras de músico e escritor? O que separa e o que aproxima as duas artes?
Antes de mais nada, é preciso ser um pouco esquizofrênico... Mas não me considero exatamente um músico. Sou letrista, compositor. Apesar de ter ouvido musical, a minha praia é a palavra. Esse é o ponto em comum entre o meu trabalho de letrista e o de escritor: o uso da palavra. E não vai muito além disso. Cada gênero tem a sua especificidade. A letra de música e a poesia até possuem algumas semelhanças, mas a letra e a prosa, por exemplo, estão muito distantes. E isso para mim é motivador. O artista precisa correr riscos.

Argos conta a história de um jovem solitário que se envolve num golpe cibernético. De onde veio a ideia para a história?
A ideia veio do romance O adolescente, de Dostoiévski. Eu estava debruçado sobre os autores russos, li Tolstoi (Guerra e Paz), Turgueniev (Pais e filhos) e uma parte da obra de Dostoiévski, como os clássicos Crime e castigo, Irmãos Karamazov, O idiota e O jogador, quando me caiu nas mãos O adolescente, que é um livro pouco conhecido, pelo menos entre nós. A partir dessa leitura, criei a minha própria história, ambientada no Brasil e com questões contemporâneas, como é o caso do mundo virtual. Daí nasceu Argos.

E para suas letras, onde costuma buscar inspiração?
Sobre a inspiração para as letras, o trabalho é ininterrupto. Pode vir de um diálogo entrecortado ouvido na rua, de um filme a que assisti, de alguma situação vivenciada, de uma conversa com amigos. Às vezes ocorre também de ser uma encomenda. Um título sugerido, por exemplo. No caso da canção com o Rafael, filho do Frejat, e o Júlio, meu filho, os meninos me propuseram o título Sob os olhos um oceano. Um título denso, poético. Nada de Amor pra recomeçar ou Por você... Tive que me virar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

'O lugar escuro', de Heloisa Seixas


A velha, a mulher e a jovem. Essas três personagens, vividas respectivamente por Camilla Amado, Clarice Niskier e Laila Zaid, se veem diante de uma sentença cruel e irreversível: o diagnóstico da doença de Alzheimer. As consequências da descoberta e a forma como a doença afeta as relações familiares são o tema da peça O lugar escuro, da escritora Heloisa Seixas, em cartaz até 3 de fevereiro no Espaço SESC (Copacabana).

Dirigida por André Paes Leme, a peça é uma adaptação do livro homônimo e autobiográfico, lançado por Heloisa Seixas em 2007. Através de diálogos contundentes, a autora mostra como a degradação física e mental de sua mãe, provocada pelo Alzheimer, afetou as relações afetivas de toda a família.

Com a montagem teatral, a autora conseguiu um certo distanciamento emocional em relação ao texto. "Eu tendo a abstrair. Não sou mais eu ali, nem minha mãe, nem minha filha. Teatro é uma criação coletiva, em que cada um bota um pedacinho e, com isso, o resultado acaba virando uma outra coisa", garante Heloisa.

O espetáculo, com duração de pouco mais de uma hora, é encenado de quinta a domingo. 


Temporada: de quinta a domingo, de 04 de janeiro a 03 de fevereiro de 2013 
Local: Espaço SESC (Copacabana) – Arena – Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – (21) 2547 0156 
Horários: de quinta a sábado, às 20h30 e domingo às 18h30 
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) 
Classificação etária: 12 anos 
Gênero: Drama 
Duração: 1 hora



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Os mínimos versos de Nicolas Behr


É entre versos eróticos e poemas inspirados na cidade de Brasília que transita a arte de Nicolas Behr, defensor da poesia marginal, sem "terno e gravata" – e do meio ambiente, área à qual se dedica há quase 30 anos. O poeta de Cuiabá, que na década de 1970 distribuía de bar em bar livrinhos seus mimeografados, acaba de lançar Meio seio, livro de poemas eróticos – e minimalistas – editado pela Língua Geral. Nesta entrevista à Shahid, o poeta fala sobre leitores, escritores, paixões que inspiram seus versos, maturidade e internet, para ele "o mimeógrafo dos novos tempos".

Por que a ideia de escrever Meio seio?
Depois de ler O amor natural, do Drummond, fiquei com vontade de escrever uns poemas eróticos, mas fiquei na dúvida. Depois deste livro ainda seria possível escrever poesia erótica? Aí resolvi reunir alguns poemas, para um livro cujo título inicial seria A miséria do amor, mas felizmente mudei para Meio seio.

Além de poemas eróticos, sobre que outros assuntos escreve?
Escrevo bastante sobre a cidade de Brasília, uma verdadeira obsessão poética. Um tema inesgotável, esta cidade fantástica. Escrevo também sobre a minha infância em Mato Grosso, sendo que recentemente publiquei A lenda do menino lambari.

Qual o perfil do seu leitor? Trata-se de um público possível de definir?
Vamos tentar: meu público é jovem, classe média, intelectualizado. Muitos deles também escrevem.

O que este livro traz de novo em relação aos livrinhos mimeografados que você vendeu de mão em mão anos atrás?
A maturidade é inexorável. Mas permaneço fiel aos poemas curtos, e a grande diferença é a maior abrangência do livro, pois Meio seio está sendo distribuído nas livrarias, nacionalmente. Com os livros mimeografados os poemas chegavam até onde, fisicamente, o poeta poderia chegar.

Qual o valor da 'geração mimeógrafo'? O que falta nos poetas hoje?
Ah, a geração mimeógrafo tirou o terno e a gravata da poesia. Trouxe o poeta de volta pra rua. Era, pela primeira vez, poesia de jovem pra jovem. Oxigenou a poesia, aumentou seu público, desmistificou o poeta. Não sei o que falta aos poetas hoje. O de sempre: escrever melhor. Mas lamento dizer que não sei o que isso significa.

Aos 10 anos, seu sonho era ser geólogo. Quando e por que começou a escrever?
Comecei a escrever poesia porque Brasília entrou na minha vida, quando tinha 14, 15 anos. A poesia foi resultado do impacto, do conflito com esta cidade na época artificial, inóspita, agressiva. Pode parecer dramático (e é), mas a poesia me salvou.

Que dificuldades um poeta tem que encarar no Brasil de hoje? E na década de 1970, quando você publicou por conta própria seus livros?
A dificuldade maior continua a mesma, hoje e nos anos 1970: fazer o livro chegar ao leitor. É a parte mais trabalhosa. E poesia não vende mesmo, nem aqui nem em nenhum lugar do mundo. O curioso é que poesia é o gênero literário mais praticado, todo mundo na vida escreve pelo menos um poema, de amor, preferencialmente. Mas é o gênero menos vendido.

Em sua opinião, em que a internet ajuda e em que atrapalha o trabalho do escritor?
A internet ajuda muito. Uso bastante. O máximo que posso, mesmo não sendo desta geração do computador. Tenho minhas limitações. A internet, o blog de hoje, é o mimeógrafo dos novos tempos. Claro, atingindo um público muito maior. A internet é um meio. Vale o que está escrito. O excesso de poemas na internet é bom, pois a qualidade sai da quantidade. Poesia nunca é demais. E o filtro fica por conta do senhor tempo.