sexta-feira, 24 de maio de 2013

Sacudindo o pó da estrada

O romance de estreia do cineasta Antônio Ernesto Martins, recém-lançado pela KBR Digital, resgata um capítulo de suas próprias memórias: Sacudindo o pó da estrada conta como o personagem Toninho tornou-se dependente de cocaína – e como lutou para se livrar do vício. O pano de fundo é o Rio de Janeiro, testemunha de uma série de fatos históricos  e começando a ser tomado pelo tráfico. Nesta entrevista o autor revela como se deu esse processo de escrita que mistura lembranças (sofridas), ficção e história. Como ele mesmo avalia, o livro não se pretende de autoajuda, muito menos espera dar a solução para um problema tão antigo e profundo como o abuso de drogas. "É apenas um relato de um homem que viveu essa dificuldade e não se acomodou diante dela."

Por que a decisão de compartilhar esta história, inspirada numa experiência tão pessoal?
Entendi que esta história deveria ser contada, pois ao mesmo tempo em que traz questões e experiências tão particulares de minha vida, também apresenta um conflito universal que é a luta do homem contra ele mesmo em sua eterna busca pelo equilíbrio e aperfeiçoamento. Escrever sobre qualquer assunto nunca é uma decisão fácil e, no caso de meu livro, havia ainda a proposta do "me despir", "me revelar" de maneira sincera e abrangente sobre um tema que ainda carrega inúmeros estigmas. Um desafio que procurei encarar com coragem e, claro, enfrentando inúmeros questionamentos.

Como foi esse resgate de memórias?
Foi um processo intenso, em alguns momentos sofrido, mas com um saldo muito positivo. Nossas realidades ou nossas ficções estão sempre sendo construídas através do que selecionamos em nossa memória e do momento histórico em que estamos inseridos. Quando comecei a escrever, me vi obrigado a organizar fatos e sensações adormecidas com a preocupação de estruturar uma narrativa interessante. Levei dezoito meses para terminar o livro, com um intervalo de seis meses em que deixei o texto descansando, para retomá-lo em seguida com uma visão mais crítica.

O livro mistura relatos da experiência de Toninho com as drogas, mas também recupera eventos políticos e históricos testemunhados pelo Rio de Janeiro. Esse processo exigiu também pesquisas?
Logo no início, percebi que Toninho havia participado de uma grande quantidade de fatos ligados a vida social, cultural e política do Brasil, particularmente do Rio de Janeiro. Mantendo a questão da luta do personagem contra a cocaína e os desdobramentos desse conflito em sua vida como o viés central da história, procurei usar esses acontecimentos como pano de fundo. Assim vemos Toninho interagindo com as Diretas Já, a abertura democrática, a explosão do rock nacional, o Circo Voador, a Fluminense FM, a epidemia da AIDS e outros acontecimentos que coincidiram com o grande boom da cocaína do Rio de Janeiro no início dos anos 1980. Em alguns momentos foi necessária uma pesquisa mais aprofundada para garantir principalmente uma coerência cronológica e a citação correta de alguns nomes.

Você trabalha com cinema e TV. Em algum momento pensou que esta história daria um filme? Por que a escolha de escrever sobre ela?
Antes do livro eu já havia escrito um argumento para um longa-metragem, mas que não se realizou por questões falta de patrocínio. Acabei transformando esse argumento em um curta-metragem que vou lançar agora em junho e que se chama O brilho. O trabalho foi feito graças à adesão de uma equipe de profissionais e atores experientes que acreditaram na proposta. O filme é uma ficção genuína e assumida. Já no livro tive a oportunidade de exercitar minha paixão pela literatura em uma jornada mais solitária. Espero que a repercussão do curta nos festivais de que vai participar abra algumas portas para a realização do longa.

De que forma você acha que o conhecimento sobre a sua história pode evitar outras parecidas?
O livro não tem a pretensão de apresentar fórmulas ou soluções mágicas para um problema tão antigo e profundo como o abuso de drogas. Tampouco é um livro de autoajuda na concepção rotulada pelo mercado. É apenas um relato de um homem que viveu essa dificuldade e não se acomodou diante dela. No entanto, a trajetória do personagem pode servir de ferramenta para a abertura de um novo espaço de discussão, privilegiando o ponto de vista do viciado. Mesmo que apenas uma única pessoa se sinta inspirada pelo livro a enfrentar esse desafio, já terá valido a pena.

Espera que a sua relação com a literatura se estenda para além deste primeiro romance?

Nos anos que passei lutando contra a cocaína, acabei me afastando de muitas paixões realmente prazerosas. O ato de desafiar o papel (agora a tela de computador) em branco sempre me fascinou. Contar histórias é meu oficio e me utilizo de diferentes recursos para isso. Isso me mantém vivo. E não pretendo parar mais, já que hibernei por tempo suficiente. Embora ainda não tenha decidido qual será meu próximo livro, tenho plena confiança de que outros virão, graças a Deus.

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