Seu primeiro romance – o curto e seco
"Gado novo", lançado na última segunda-feira (15) no Rio de Janeiro –
é, ainda que breve, consistente e de qualidade. É como vêm avaliando até agora
seus leitores, entre eles escritores de peso da literatura brasileira. Guille Thomazi,
de 27 anos, estudou cinema e hoje se divide entre os negócios da família – do
ramo madeireiro e pecuarista – e a literatura. Nesta entrevista feita por
e-mail, ele deixa marcas do seu estilo peculiar de escrita ao falar do
nascimento e maturação de "Gado novo" – escrito, ele diz, com tinta
extraída de suas entranhas –, avalia as influências artísticas que marcam sua
narrativa e revela a intenção de publicar novo romance em breve.
"Gado novo" é seu primeiro
romance, já com boa repercussão junto a outros escritores. Qual o diferencial,
para você, deste livro?
Fiquei muito feliz com o feedback favorável de alguns escritores, alguns
reconhecidamente do primeiro time das letras nacionais. Foi muito bom saber que
gente que entende do riscado diz que tenho uma obra, embora breve, consistente
e de qualidade. Foi uma surpresa descobrir isso, ainda mais por se tratar de
uma obra escrita com tinta extraída das minhas entranhas, no melhor sentido da
coisa, pois "Gado Novo" é um amálgama de algumas das minhas
experiências e do aperfeiçoamento de um estilo narrativo e estrutural que
homenageia o leitor, ao não subestimá-lo, apresentando o problema matemático,
deixando pistas de quais elementos acrescentar à fórmula e aí executar a
operação. E não precisa ser bom em matemática para ler "Gado Novo".
Nem muito brilhante para entender. Até eu consegui.
A história gira em torno do assassinato
de uma menina, a que cinco personagens estão ligados de alguma forma. De onde
veio a ideia para essa trama?
Houve um conto, escrito sete anos atrás,
que me perturbou o bastante para que eu me arrogasse a oportunidade de
incomodar um dos autores responsáveis pela estória (trata-se da adaptação de um
livro para o cinema) que me inspirou a criá-lo. Anos depois. E aí este cara (um
autor de grosso calibre) leu, gostou e sugeriu a ampliação deste universo, o
que acarretou "Gado Novo". E aí a história é comprida. O livro passou
dois anos na gaveta até que me obrigassem a procurar publicá-lo. Minha vida é
um turbilhão, e era ainda mais complicada na época em que escrevi o livro.
Tanto que, não fosse afortunado como fui nesta história, meu caso rápido que
culminou em amor recíproco com a Shahid e a 7Letras e
o estímulo para eu seguir com esta ideia, provavelmente o livro não existiria.
Igual a outras obras abandonadas, aliás.
Sua narrativa, ao menos neste romance, é
seca, marcada por frases curtas, linguagem crua. Que escritores influenciaram
sua voz?
Uma inspiração fundamental para o livro
foi a obra de Zé Ramalho. O título e alguns elementos de estilo, desenvolvidos
no "Gado Novo", são referências objetivas e também uma maneira de
homenagear, como retribuição pelas músicas que me tocaram o coração, o filho do
Avohai. A descrição curta e seca obedece ao raciocínio circunstancial do
narrador, pois naquele momento é assim que ele se organiza intelectualmente:
pragmático. Emoção e razão estão circunscritas em campos paralelos, mas com
barreiras permeáveis, contudo, dado que os personagens são representações de
seres humanos. E entre Falkner, Cormac McCarthy, Raduan Nassar e Graciliano
Ramos eu concateno os autores que a este livro geraram influência. Um autor que
a mim desperta uma reverência algo religiosa, mas sem nenhuma fé, é Saul Bellow
– aquele que consegue atravessar as matizes da complexidade do ego humano, com
um domínio técnico tão extraordinário que sequer chego a pensar nestes termos
quando o leio, e que me faz querer abraçar seus personagens e dividir com eles
o peso de suas angústias, que eu entendo, mas jamais poderia explicar. É como
se minha maior referência no salto com vara fosse um esgrimista.
Além de escritor, você é cineasta. Acha
que a formação em cinema de algum modo marca a sua escrita?
Pois é, minha formação é em cinema. Andei
cometendo isso também. Acho inevitável ser influenciado na escrita pela minha
experiência com cinema, mas considero esta influência sem pertinência, pois me
dediquei dez vezes mais a ler e estudar a vida em raciocínios lógicos ou
subjetivos, digerindo experiências e absorvendo o que percebia no histórico
desta espécie inviável, que julgo ser a nossa, do que pensando em termos
cinematográficos quando elaboro uma narrativa. A geração de imagens é inerente
à nossa formação de idéias, ainda mais quando se quer contar uma história
através da escrita. É na cabeça do leitor que o universo do livro vai existir,
e as imagens que ele vê, suscitadas pelas palavras escolhidas pelo autor, são
particulares e inacessíveis, o que de certa maneira é triste. Imagino que eu
seria um escritor melhor se pudesse conhecer as versões do universo de
"Gado Novo" elaboradas nas cabeças dos leitores. Certamente existem
versões mais ricas que as minhas. Mas felizmente conheço bem o universo real no
qual se desenrola a trama, e aí a vida, como sempre, influencia e sobrepuja
sobremaneira a escrita, muito além do cinema e do salto com vara.
E depois de "Gado novo", há
novos projetos?
Sim, há outros projetos. Andei cometendo
a paternidade também. Apesar de ser e continuar (até o momento Jessica Chastain
não respondeu as minhas cartas) solteiro. Saber que o país que meu filho vai
encarar foi empenhado há tempos em arranjos presentes me desanima e revolta – e
aí o pensar em projetos me parece temerário. Digo isso com vistas na saúde
mental. Mas a pergunta não é essa, só achei pertinente mencionar, pois preciso
pensar no leite da criança e é mais fácil ordenhar pedra que tirar da venda de
livros meios para este recurso precioso. Não obstante sou teimoso e diligente.
Há sim um livro, quatro vezes maior que "Gado Novo" (que é bem
curtinho), que está na fase do polimento. O título, por enquanto, é "Um
país de tolos" – a ver se ao menos sai o livro de um deles.
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