segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"A outra metade" em dupla festa

Autora de oito obras – cinco romances e três livros de contos – a escritora Miriam Mambrini se prepara para o relançamento de "A outra metade", nesta segunda-feira, 16, como parte da festa de aniversário dos 20 anos da Editora 7Letras. Neste que foi seu primeiro romance publicado, Miriam constrói o reencontro de duas amigas de infância e reflete sobre a fronteira entre o real e a fantasia, além de trazer delicadamente à tona questões do universo feminino e humano. "No caso das duas amigas, sinto-as como reflexos de duas metades da minha vida", diz a autora, que ainda nos conta sobre seu vínculo com a Editora 7Letras, a publicação recente de um conto seu na revista inglesa Litro e projetos literários para o ano que vem.


"A outra metade" conta a história de duas amigas que se reencontram – uma imaginando como seria a vida se estivesse na pele da outra, mais aventureira e livre. De onde veio a ideia para este romance?
Minhas inspirações quase sempre vêm de situações que vivi ou observei, de fatos que me marcaram, e depois foram modificados pela imaginação, de modo que passaram a não ser mais o vivido ou observado, mas outra coisa. Enfim, se tornaram ficção.
No caso das duas amigas, sinto-as como reflexos de duas metades da minha vida. Tive experiências de liberdade, que me fizeram compreender os atos e sentimentos de Vera, e outras de mulher casada, presa à sua condição de esposa, mãe e dona de casa, como Lilian. Mas foram, sobretudo, vivências de amigas que me permitiram "encorpar" os personagens e lhes dar uma personalidade mais definida.

O livro toca em questões bem femininas (ainda que estas se desdobrem em questões humanas mais amplas). Era essa sua intenção quando começou a escrever a história?
Até este livro, eu escrevia com frequência do ponto de vista masculino. Tinha medo de cair na literatura "mulherzinha". Queria tratar da vida e do comportamento do ser humano, fosse ele homem ou mulher, e achava o ponto de vista masculino mais interessante. Mas conhecia tão bem as questões que diziam respeito ao universo feminino, que acabei cedendo. Quisesse eu ou não, era uma mulher e minhas experiências eram femininas.
Comecei este livro de forma muito despretensiosa, sem saber aonde ele ia chegar. Imaginava ter apenas matéria para um conto: Duas amigas que não se veem há muito tempo se reencontram num supermercado. Cada uma olha o carrinho da outra e imagina a vida representada pelas mercadorias escolhidas. Mas logo percebi que havia muito a contar. Algumas leitoras se identificaram e elegeram esse romance como seu preferido, e, para minha surpresa, alguns leitores também.

Sua trajetória como escritora está ligada à história da editora 7Letras, que está comemorando 20 anos este mês. Como surgiu esse vínculo?
Já havia publicado um primeiro livro de contos, "O baile das feias", por conta própria, e tinha uma segunda coletânea pronta, sem saber para onde encaminhar. Um amigo, o poeta Armando Freitas Filho, me apresentou ao Jorge Viveiros de Castro, que então se refugiava num pequeno jirau na livraria Sette Letras, no Jardim Botânico. Estive lá várias vezes. Nossas conversas iam além da edição do livro e nos tornamos amigos.
Publiquei esse livro, "Grandes peixes vorazes", em regime de coedição, pela então Sette Letras, em julho de 1997. Eu praticamente não conhecia ninguém do mundo literário, então Jorge pediu ao poeta Carlito Azevedo que fizesse a orelha do livro, maravilhosa, por sinal. O romance "A outra metade", do ano 2000, foi aposta do Jorge, (acho que) por sua confiança em meu trabalho.

Recentemente um conto seu foi publicado na revista inglesa Litro. Qual a importância dessa visibilidade para você?
Me espantei com a repercussão da publicação de meu conto "Breu" na revista inglesa. Meus amigos e leitores acharam o máximo. Talvez a aceitação do trabalho de um escritor fora do Brasil o legitime, lhe dê mais status. A publicação na Litro foi vista como um reconhecimento da qualidade de minha escrita, tanto por mim quanto pelos outros.

E o que podemos esperar da escritora Miriam para o próximo ano?
Tenho um romance inédito que, espero, será publicado em 2014. Alguns contos meus já foram aceitos para publicação em outras revistas estrangeiras. No momento estou um pouco distante dos romances, trabalho em contos, que são uma delícia de escrever e de ler. No fundo, apesar de ter escrito cinco romances, e apenas três coletâneas de contos (sem contar a participação em livros coletivos), me sinto mais contista do que romancista.

Os versos versáteis de Bassini

Pé no chão, sim, mas ao mesmo tempo movido pela originalidade de seus versos, que nesta obra dividem a cena com elementos de outros gêneros. Assim é o escritorMarcos Bassini, que lança nesta terça-feira, dia 10, o livro de poesias "Senhorita K" (Ed. Patuá), fruto do Prêmio Edith – Só para Poetas organizado por Marcelino Freire. Influenciado pelo escritor Gonçalo Tavares, Bassini se desafia a contar, através da poesia, o drama de uma personagem angustiada pela culpa, explorando as questões afetivas, mas sobretudo as mais políticas e atuais.


Nesta entrevista a Shahid o autor fala sobre o nascimento de "Senhorita K", suas inspirações e expectativas, e adianta detalhes do romance que está escrevendo, ambientado na ditadura militar. "A gente fala muito sobre a tortura na ditadura e esquece que ela acontece até hoje. Só que o Herzog hoje se chama Amarildo. Eu diria que este futuro romance (...) se passa nos dias atuais", diz. Confira a conversa.

"Senhorita K" é um livro de poesias que se propõe a contar, ao longo de capítulos, a história de uma personagem atormentada pela culpa. Como nasceu essa ideia?
O prêmio que possibilitou a publicação coincidiu com pesquisas que eu estava fazendo sobre o período da ditadura. E sobre a dificuldade que temos de lidar com esse assunto, aqui no país, muito mais que em qualquer país sul americano. Ao refletir sobre a culpa nas relações afetivas através da Senhorita K – inspirada em Josef K, de O Processo –, eu tentei traçar um paralelo com essa dificuldade de punir os responsáveis por este período nefasto da nossa história.

Acha que sua experiência em outras áreas – além de escritor, você é roteirista, redator e compositor – influenciaram sua forma de escrever o livro?
Sem dúvida, este livro não existiria – ao menos não dessa forma – se eu não trabalhasse com isso. A presença de personagens, diálogos e os três atos do livro só estão aí porque poeta, redator e roteirista habitam o mesmo corpo.

Que escritores inspiraram seu estilo e mesmo a história de "Senhorita K"?
Na poesia, acredito que a polonesa Wislawa Szymborska seja a grande referência. E Gonçalo M. Tavares é sempre uma influência e inspiração.

A publicação do livro é fruto da sua premiação no concurso Edith – Só para poetas. Como vê esse tipo de incentivo a novos escritores, sobretudo poetas?
Acho importante, porque possibilita ao autor alcançar um público um pouco maior do que alcançaria com uma publicação independente.

E o que espera de "Senhorita K"?
Como já disse Paulo Henriques Britto, o Brasil tem 300 leitores de poesia. Não imagino nenhuma grande vendagem nem revolucionar o gênero. Mas espero que seja o começo de um diálogo mais próximo com leitores, outros escritores e poetas.

Você está começando a escrever um romance que se passa na ditadura. Há algo que possa adiantar sobre ele? Por que esse tema o sensibilizou?

Eu vinha há alguns anos refletindo sobre a herança da violência. A gente fala muito sobre a tortura na ditadura e esquece que ela acontece até hoje, diariamente, em todas as delegacias e presídios. Só que o Herzog hoje se chama Amarildo. Por isso, quando falo da ditadura, não falo de 50 anos atrás. Eu diria que este futuro romance é ambientado na ditadura, mas se passa nos dias atuais.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

"O Barão do Café" e o resgate de uma época


O resgate da história de uma família, que dialoga com o resgate da cultura e dos costumes de uma época. Foi essa a proposta do romance histórico familiar "O Barão do Café" (Ed. Jaguatirica digital), escrito a quatro mãos pela escritora Vera Moll e pela pesquisadora Sônia Mileipe, irmãs e netas do personagem que conduz a história, Manoel da Silva Motta, um dos maiores produtores de café do país na virada do último século.

Nesta entrevista a Shahid, Vera Moll fala sobre conquistas e entraves durante a escrita do livro, comenta sua repercussão e revela detalhes dos bastidores: das fotografias que extrapolam o simples retrato de família ao mapa astral que as ajudou a reconstituir a trajetória do avô. "Como escritora posso dizer que a literatura é uma atividade gratuita por definição, sem propósitos comerciais ou sucesso. É o leitor que dá sentido à obra, que a multiplica e enriquece", diz.

Você e Sônia passaram quase cinco anos debruçadas sobre documentos, fotos e relatos para reconstituir em detalhes a história da família. Qual foi o momento mais agradável desse processo, e o mais difícil?
Os melhores momentos foram aqueles em que algumas descobertas foram feitas, como quando conseguimos a certidão de meu avô. Na época dele não havia registro civil, então o documento que tínhamos em mãos era uma cópia do seu batistério. A partir dele encontramos os parentes remanescentes em Portugal, descobrimos a quinta que a família possuía e a casa em que nosso avô nasceu, coisas que nos pareciam impossíveis de obter. A elaboração do texto exigiu muita disciplina e consumiu três anos e meio de trabalho diário. O mais difícil foi enfrentar a desconfiança de parte da família, que não acreditava que teríamos isenção para contar a história.

Uma das fotos de família usada como fonte de pesquisa
Quais foram os desafios que encontraram durante as entrevistas e as viagens?
Os desafios foram de toda ordem. Alguns exigiram uma estratégia de pesquisa que apenas Sônia estava apta a fazer. As entrevistas demandaram não só deslocamentos, mas o enfrentamento de resistências nem sempre fáceis de ser quebradas, além de tensões e dúvidas dentro da família quanto ao esforço que realizávamos. Em Portugal fomos favorecidos pelo serviço eficiente das instituições portuguesas e amigos que fizemos pelo caminho. Uma coisa que eu aprendi com o exercício da escrita foi que, quando começamos uma coisa, não sabemos aonde ela vai nos levar. Em geral, muito mais longe do que pretendíamos.

Vocês disseram noutra entrevista que as fotografias foram essenciais no resgate de aspectos da família e da própria sociedade. Por quê?
As fotografias faziam parte da nossa memória e parte delas lá estiveram anos a fio nos desafiando a recontar o que registravam. A fotografia do casamento de tia Arlete, em setembro de 1941, por exemplo, é um retrato que fala não só de nós, mas do feitio da família brasileira que se constitui no seio da burguesia recém-formada. Essa foto que vimos e revimos no belo álbum que mamãe possuía esteve o todo tempo nos chamando, convocando, exigindo. E tínhamos um álbum inteiro que nos permitia ainda reconstituir a época em seu vestuário, costumes, estética e ideologias que vigoravam dentro da sociedade brasileira.

No capítulo "Centauro" vocês contam como reconstruíram a figura do avô Manoel a partir de um mapa astral. Qual foi a importância desta investida?
Manoel nasceu em 28 de fevereiro e, segundo a astróloga, o sentimento que melhor traduz seu signo, Peixe, é o da compaixão. Os piscianos têm imaginação fértil, estão sempre a construir castelos e, se a realidade é muito dura, tendem ao escapismo. O ascendente de Manoel está em Aquário, que o coloca à frente de seu tempo, e por isso seu discurso é revolucionário. A combinação de sonhador e revolucionário poderia ser explosiva por lhe faltar o senso de realidade, mas seu destino foi traçado com o favor dos astros. Na casa 1, por onde passa o aguadeiro (Aquário) e onde está o seu sol (Peixe), aparece seu primeiro planeta, o severo e exigente Saturno, exigindo em tudo compromisso e responsabilidade.

As irmãs e autoras Sônia Mileipe e Vera Moll
Qual a importância, em sua opinião, de ver recuperada a trajetória de seu avô? E de ver recuperada uma trajetória maior, que dialoga com a história do país?
Reinscrever a história de meu avô é um antigo anseio da família, alguns de seus filhos e netos alimentaram durante anos o propósito de colocá-la no papel. Com "O Barão do Café", o orgulho da família e o sentimento de que sua vida daria um romance foram finalmente contemplados e a sensação é de dever cumprido. Por outro lado, um personagem insere-se no seu tempo e vive segundo seus costumes de modo que, para que determinados atos e atitudes possam ser compreendidos, é preciso que sejam vistos à luz da história do país e, ainda mais amplo, da história universal que reduz todos à sua vontade e circunstância.

Como os familiares têm recebido o livro?
Essa era a grande preocupação que tínhamos porque estávamos trabalhando com a história do outro, estávamos trilhando por caminhos delicados quando poderíamos pisar sobre sonhos e vivências íntimas que são pessoais e intransferíveis. Mas aos poucos todos foram conquistados pela seriedade das pesquisas feitas e a resposta foi demonstrada no lançamento, quase uma festa, da qual muitos saíram com vários livros, um para cada membro da família.

Qual a principal expectativa de vocês, autoras, com a publicação desse romance?
Como escritora posso dizer que a literatura enquanto poética é uma atividade gratuita por definição, sem propósitos comerciais ou sucesso. O objetivo do escritor é a execução de sua obra. "O Barão do Café", enquanto saga de uma família, é também um romance e se inscreve na ordem da literatura. Portanto, se o reconhecimento do valor do livro vier por acréscimo, agradecemos. Mas não podemos negar que é o leitor que dá sentido à obra, que a multiplica e enriquece, pois haverá tantas leituras quantos leitores houver.