Foto: Vânia Laranjeira
Na quarta-feira passada, 26, driblei o sol e as construções e reformas do Centro do Rio para chegar à sede da Praça XV do Museu da Imagem e do Som (MIS). O motivo era mais do que nobre: o compositor, escritor e especialista afro-brasileiro, Nei Lopes participou do Depoimentos para a Posteridade. Foi o início das comemorações de seu aniversário de 70 anos, a ser comemorado dia 9 de maio.
Em quase quatro horas de entrevista, Nei falou de infância, de vida no subúrbio, de carreira (como advogado, artista e pesquisador), de literatura, e, claro, de muita, muita música. Avaliando seus percalços e suas conquistas, ele resume: "credito tudo à espiritualidade".
Vestido de vermelho em homenagem a Xangô, Nei contou sua infância no Irajá. A música se fazia presente no cotidiano graças a um irmão mais velho e à mãe, que cantava enquanto cuidava da casa e dos doze filhos. O caçula era apaixonado pelo carnaval. Quando passou a estudar na Escola Técnica Visconde de Mauá, o samba foi incorporado com mais força á rotina do garoto.
Nei alcançou certa fama quando em 1972, Alcione gravou duas músicas suas. Em 1975, Nei conheceu Wilson Moreira, que viria a ser seu principal parceiro nas composições. Clara Nunes gravou seis composições da dupla, entre elas a clássica Senhora Liberdade. Outros intérpretes das canções de Nei foram Alcione, Roberto Ribeiro, Elizeth Cardoso, Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, entre outros.
Desde 1981, Nei também é escritor e pesquisador. Lançou 27 livros, entre poesia, romance, livros de história e obras de consulta. Em todos eles, a negritude, a história dos africanos, a cultura e a religião da África, mãe de todos nós. Seu último lançamento foi Essa árvore dourada que supomos (Babel) em novembro passado. Para 2012, serão lançados o Dicionário da hinterlândia(sobre as origens dos nomes dos bairros do subúrbio carioca) e o romance A Lua triste descamba. Seu Dicionário Banto ganhará reedição e o escritor ainda deixou no ar a promessa de um livro infantil.
O artista escolheu bem seus entrevistadores. Além da pesquisadora e vice-presidente do MIS Rachel Valença, estavam na mesa o escritor Alberto Mussa, o músico e compositor Claudio Jorge, o jornalista Fernando Molica e o historiador Joel Rufino. Todos compartilhavam com Nei uma história curiosa ou a paixão pela música popular.
Como advogado, Nei atuou por pouco tempo. Não gostava da carreira. Mas ela teve seu valor: quando questionado sobre a nostalgia como tema recorrente em suas canções, Nei se lembrou de como compôs Samba do Irajá. Certo dia, já saturado pelo trabalho, não acompanhou seus colegas para o almoço. Ficou no escritório e datilografou a canção. "Irajá é uma metáfora do meu pai saudoso", revelou. Na folha do original, ficou a marca de uma lágrima.
E aí, o momento mais emocionante do dia: Nei e todo o auditório cantaram juntos Samba do Irajá. Cláudio Jorge improvisou a percussão em um livro e Alberto Mussa tirou melodia da espiral de um calendário. Foi a conclusão perfeita para uma tarde recheada de revelações, história divertidas e espiritualidade.
Por Rodrigo Canuto
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