Como se faz cinema para crianças no Brasil? A resposta está no
livro Lanterna mágica: infância e cinema infantil (Civilização Brasileira) do
escritor e cineasta mineiro João Batista Melo. O trabalho – primeiro a tratar
do tema no país – é resultado de seu mestrado na Unicamp em 2004. Em entrevista
à Shahid, João conta sobre a sua relação com livros e filmes, da infância até
os dias de hoje, e questiona a qualidade das produções nacionais voltadas ao
público infantil.
Como nasceu seu interesse pelo cinema infantil?
Desde a adolescência tenho uma relação forte com o cinema. Com 15 anos,
rodei meu primeiro filme – ou pelo menos parte dele, já que era um
megalomaníaco projeto de longa-metragem. Pouco tempo depois já escrevia
críticas de cinema para o jornal Estado de Minas e dirigi meu primeiro
curta-metragem. Mas nunca tive nenhum interesse ou atração especial pelo gênero
até que, em 2001, fiz um mestrado sobre o tema. À medida que fui estudando o
assunto, aí sim comecei a me envolver de maneira mais intensa. Principalmente
ao descobrir que, apesar de existirem muitos filmes belíssimos, o cinema
infantil foi muito pouco estudado no mundo e, principalmente, no Brasil.
Ao estudar a ficção escrita para crianças como base para o cinema, quais
características chamaram mais sua atenção?
O cinema infantil sempre buscou inspiração na literatura infantil.
Inicialmente nos contos de fadas e nos romances clássicos, como Alice
no País das Maravilhas, que teve sua primeira versão para o cinema no
início do século XX. No Brasil, um dos primeiros longas-metragens para
crianças, O Saci, de Rodolfo Nanni, foi baseado num livro de
Monteiro Lobato. Mas a partir da década de 1970, a literatura praticamente
desapareceu como fonte de inspiração para os filmes infantis, substituída por
temas e heróis com origem na televisão, a exemplo de Xuxa e Renato Aragão,
cujos filmes respondem por 50% da produção nacional para crianças.
Em sua opinião, o cinema infantil deve ser educativo?
Não gosto do termo educativo aplicado à arte. Prefiro o termo pedagógico.
E nesse sentido penso que tudo produzido para crianças deve ser pedagógico.
Quem produz cinema infantil precisa ter a percepção permanente de que seu
público possui características especiais que não podem ser ignoradas na
concepção e na realização de um filme. Trata-se de um espectador que está em
processo de formação, de construção de suas relações com o mundo, com um senso
crítico ainda em evolução, quando não incipiente. No meu livro, considero como
filme infantil, numa concepção ideal, aquele que tem como personagem principal
uma criança que enfrenta desafios e cresce psicologicamente em sua jornada.
Nada mais pedagógico do que isso.
Como você avalia o desenvolvimento do cinema infantil no Brasil?
Se o estudo do cinema infantil no Brasil é quantitativamente
insignificante, a produção é pior ainda. Somente 2% dos filmes brasileiros
foram pensados para o público infantil – e mesmo assim metade deles são
produções de Xuxa e Renato Aragão. Cinema é uma arte muito cara e ainda temos o
já mencionado fator televisão. Mas no mundo inteiro, com exceção de Hollywood,
o cinema infantil depende de apoio governamental. E o Estado faz questão de
apoiar pois compreende a necessidade de um tratamento diferenciado no diálogo
com esse público. No Brasil, não existe nenhuma lei a respeito, o que ajuda a
explicar os pífios 2%.
Quais filmes marcaram sua infância?
Na minha casa se lia muito. Da minha infância e início da adolescência
ficaram as lembranças das leituras de Julio Verne, Alexandre Dumas, Emilio Salgari.
Mas não havia o hábito de ir ao cinema, exceto para ver Mazzaroppi, o único
ídolo de meu pai no cinema. Comecei a ver muitos filmes infantis, como os de
Walt Disney, depois de adulto. E essa experiência me fez valorizar uma frase
muito legal de C.S. Lewis, o autor de Crônicas de Narnia: um livro
infantil é bom quando ele também interessa a um adulto. Em Lanterna
Mágica, levo essa ideia para o cinema: um filme infantil somente é bom se
ele também for interessante para um adulto.
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