Anos de
pesquisas sobre o universo do samba, conversas com a velha guarda da Portela,
um pulo no Recôncavo Baiano para ver de perto o samba de roda. Desse passeio
popular – inspirado por sua "cabrocha", como brinca o autor – nasceu
o livro Histórias do
samba – de João da Baiana a Zeca Pagodinho (Matrix),
que o pesquisador e escritor Marcos Alvito acaba de lançar. Saído do forno às
vésperas do carnaval, o livro reúne cem histórias curiosas sobre este que é o gênero
musical mais querido do Brasil. Em conversa com a Shahid, Marcos fala
sobre o prazer – e a responsabilidade – de popularizar um tema que estuda desde
1998, relembra um e outro "causo" e promete um segundo volume de
histórias. "Tudo sem pressa, no ritmo do samba", adianta.
Histórias
do samba conta cem histórias no mínimo
curiosas sobre esse gênero musical. Como nasceu a ideia de reuni-las em livro?
Eu sou professor na UFF e, há mais de dez anos, utilizo o samba
como fonte histórica em sala de aula. Mas faltava um impulso que me levasse a
escrever as histórias. Totalmente apaixonado por uma cabrocha, que é professora
de Literatura, comecei a escrever uma história por dia e a enviar os textos a
ela. Depois começamos a namorar e eu continuei lhe mandando as histórias, que
ela comentava, sugeria mudanças... Posso dizer que o livro nasceu de dois
grandes amores: pelo samba e pela cabrocha Licia Paranhos.
Como foi o
trabalho de resgate dessas histórias?
Eu fui pesquisando ao longo de mais de dez anos, enquanto
preparava cursos, escrevia artigos e fazia incursões no mundo do samba:
conversas com a Velha Guarda da Portela, rodas de samba por toda a cidade, uma
ida ao Recôncavo Baiano para conhecer o samba de roda. Tudo sem pressa, no
ritmo do samba.
Que nomes do
samba figuram nesses "causos"?
Há sambistas
"clássicos" como Noel, Nelson Cavaquinho, Cartola. E há também
histórias de compositores fundamentais, com músicas muito conhecidas e
importantes, mas que ainda são desconhecidos do grande público. É o caso de
Romildo, que compôs, junto com Toninho Nascimento, o famoso "Contos de
Areia", que levou Clara Nunes ao topo da parada de sucessos. É aquela que
começa "É água no mar...". Aliás, tem uma história gozada sobre isso,
que eu não conto no livro mas conto agora: a letra original dizia "É lua
no mar...". Mas Romildo, na hora de gravar a fita para mandar para Clara
Nunes, sempre errava, dizendo "É água no mar...". Depois de várias
tentativas, o parceiro desistiu: "Manda esse negócio assim mesmo". E
foi um sucesso nacional.
É possível destacar, entre tantas, a história mais
inusitada?
Há muitas. Mas tem uma que eu adoro. Às vésperas do carnaval de
1912, morre o Barão do Rio Branco, um político importantíssimo, figura de
destaque na monarquia e também na república. O governo resolve suspender o
carnaval, prometendo realizá-lo em abril. Avisa aos jornais, convoca os cordões
e todo mundo diz estar de acordo. Mas na sexta-feira o povo não quer nem saber,
faz o maior carnaval. E pula de novo em abril, conforme combinado. Foi o único
carnaval com bis da história.
Você estuda o
samba desde 1998. Como foi trazer ao público, de forma tão leve, curiosidades
sobre um tema com o qual costuma lidar como pesquisador?
Foi um prazer imenso. Mas também uma responsabilidade: há que
ter um compromisso em não trair a tradição do samba e dos seus valores. Por
trás da informalidade, há uma filosofia e uma ética.
Qual o valor
da cultura do samba para a nossa sociedade?
O samba é como
o rio Amazonas, cuja grandeza se deve também a seus afluentes. Acabaram por
desaguar nele muitas outras formas musicais como o lundu, o calango, o jongo.
Ele foi fruto de uma longa tradição afro-brasileira e ao mesmo tempo sofreu
mudanças que permitiram a esta tradição dialogar com novos desafios.
Em entrevista
ao jornal O Globo, você
diz que planeja um segundo volume de histórias do samba. Podemos esperar?
O segundo volume virá naturalmente, porque há um mar de
histórias sobre o samba e seria uma injustiça contar somente cem. Vou
escrevendo as histórias no mesmo ritmo do primeiro volume, uma por dia, para
poder saborear. O samba nos ensina que devagar também é pressa e que às vezes a
lentidão proporciona mais prazer.
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