Contista premiada,
Lucia Bettencourt estreia no romance com O amor acontece (Record). Com prosa leve e diálogos
ágeis, narra a história de amor (e humor) entre Fábio e Mariana, jovem
escritora que se julga incapaz de se apaixonar. Mas à medida que escreve seu
novo romance, ambientado em Veneza, é convencida por Fábio de que o amor ainda existe
e pode acontecer até entre as páginas de um livro. Nesta entrevista, Lucia fala
sobre conto e romance, suas inspirações e desafios como escritora. "Fiz
questão de mostrar que a literatura nos leva a qualquer lugar do universo
sem nos tirar de nossa poltrona preferida", revela.
O amor acontece é seu primeiro romance, depois de dois livros
bem-sucedidos de contos. Por que mudar?
As editoras
brasileiras implicam com o gênero
"contos", apesar de nossa literatura ter uma tradição longa e vigorosa de extraordinários contistas. Cito apenas um, que
acaba de ganhar o Prêmio
Machado de Assis, conferido pela Academia Brasileira de Letras, e que nunca
escreveu nada além do gênero - Dalton Trevisan. No entanto, os editores
acreditam que é um gênero pouco comercial e insistem em perguntar se já não está na hora de um romance... Acabei satisfazendo a Editora
Record.
O que este livro traz de novo à sua arte?
Gostei muito de
escrever O amor acontece, pois é uma história leve, muito cheia de humor. Na verdade, ri muito
ao escrevê-la. Mas também fiz longos trechos em diálogo direto, sem narrativa,
quase que pequenas cenas teatrais, alternando-as com pequenos trechos
narrativos da "autora" do romance. Minha presença se dilui,
retirei-me de cena e dei voz a meus personagens, que me surpreenderam com sua
vivacidade.
Qual a diferença
essencial entre o conto e o romance? E
como isso aconteceu na sua obra?
Esta diferença tem
sido estudada por vários professores de literatura, e muitos falam da extensão da obra, outros falam de uma trama singular, poucas personagens,
etc. Prefiro ficar ao lado dos escritores que deixam o trabalho de conceituação aos críticos, e limito-me a repetir Mário de Andrade, que dizia
que conto é tudo aquilo que o autor chama de conto. Na verdade, existem quase que tantos tipos
de contos como histórias a ser contadas... Bem, é um pouco de exagero,
mas o conto varia, tem sub-gêneros
(fantástico, de fadas, policial...). Gosto da linha seguida por Cortázar, de
contos precisos como nocautes (é dele a ideia de comparar a leitura a uma luta
de boxe, dizendo que um romance ganha o leitor por pontos, mas que o conto ganha por nocaute). Digo que escrevo contos porque sou
curiosa e ansiosa: quero logo chegar ao final e descobrir o que acontece. Pois, apesar de ser a autora, são os personagens que conduzem minhas histórias.
De onde veio a
inspiração para sua história (o amor,
seus desencontros – e reencontros), seu cenário (Veneza) e seus personagens
(Fábio e Mariana)?
Acredito em amor, vivi uma linda história de amor, e não posso compreender um mundo em que ele não tenha papel predominante. A Mariana, a princípio, perdeu as
esperanças de encontrar um amor, não acredita mais em seu papel
preponderante na vida. Só depois ela descobre que o amor é construído
por nós mesmos, e não temos que
ficar esperando que um príncipe encantado apareça e nos faça felizes. A
felicidade é construída pelo próprio sujeito, mas é muito melhor quando
compartilhada. A Veneza é um cenário, todo retirado de guia de viagens. Eu já
tinha ido à cidade antes, mas nada do que escrevi tirei de minhas memórias. Fiz
questão de mostrar que a literatura nos leva a qualquer lugar do universo
sem nos tirar de nossa poltrona preferida... Fábio e Mariana são tirados da observação e de muitas leituras. Mas confesso que emprestei ao Fábio algumas
características do meu marido, que foi meu grande amor por ser uma pessoa tão adorável como o Fábio.
Quais foram os
prazeres e os desafios na hora de escrevê-la?
Como já disse antes, ri muito
com o diálogo doido dos personagens,
que não têm censura, falam o que lhes vem à cabeça. Como eu estava fora do texto deles, não apareço nem sequer em
rubricas, pude deixar que tivessem toda a liberdade de que precisavam. Mas é
muito difícil se conservar assim à parte em seu próprio texto, é uma coisa que
a própria conversa entre Mariana e Fábio revela, essa tendência a dominar a
vida de nossas criações. Mariana é, portanto, o meu contrário - controladora, ela impõe sua vontade e sua visão de mundo. Os personagens dela têm o final que ela deseja desde o princípio, e embora ela tenha sua vida modificada, não dá a mesma chance às suas criações. Creio que este é o maior desafio para um autor: deixar que a verdade de suas criações
apareça no texto, apesar das suas próprias crenças.
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