Miriam Mambrini acaba de publicar seu quarto
romance – e oitavo livro. Ninguém é feliz
no paraíso (Ímã
Editorial, 2012), que levou dez anos para ser concluído, mistura ficção com
pitadas de realidade. É com ela, aliás, que Miriam rega cada uma de
suas obras, como relembra nesta entrevista. Aqui a escritora – que tem textos
premiados em diversos concursos, entre eles o Stanislaw Ponte Preta – fala
sobre suas inspirações, obras preferidas e projetos futuros.
Ninguém é feliz no paraíso conta a história
de Cássio, que se refugia numa praia paradisíaca para esquecer os problemas do
mundo. De onde veio a ideia para este que é o seu quarto romance?
Ninguém
é feliz no paraíso nasceu deste título, que uma mulher chamada Lúcia me deu.
Gostei do título, pensei em escrever um conto. Como essa história, na minha
cabeça, só podia se passar onde Lúcia morava, a praia de Manguinhos, em Búzios,
que eu conhecia muito bem, pensei na praia e nas pessoas que lá moravam, cada
uma com a sua história. Mas minha imaginação já tinha ido além e colocado nessa
praia personagens que nunca estiveram lá, como a atriz de Hollywood aposentada
e um certo argentino. Lembrei-me de uma família que se dizia dona daquela
terra, da mulher com uma trança branca e um brinco só e de seu filho
esquizofrênico, do Leleide, que no livro virou Tonho, buziano nato que, sem que
se entendesse como, foi lambido por uma onda enquanto pescava. Gosto de
mistérios, de enigmas. O crime, literariamente, me seduz. Então surgiram mortes
misteriosas na Ponta do Criminoso. A história dessa praia não cabia num conto,
só um romance podia retratá-la. Mas faltava um fio condutor: alguém que
chegasse a essa praia com uma carga de sofrimento, pois, se Velas, nome que dei
à praia, era um paraíso, Lúcia dizia que ninguém é feliz no paraíso. Criei
Cássio, atormentado pelo remorso, com seu rosto sombrio. Cássio foi conhecendo
Velas e as dores de sua gente. Só depois que Lúcia morreu, uns três anos após me
dar o título, é que de fato comecei a escrever o romance. De alguma maneira
inexplicável, me senti compromissada com ela. No total foram mais de dez anos
de trabalho.
Você
se deixou inspirar por algumas experiências pessoais em Ninguém é
feliz.... Isso aconteceu também nas outras obra?
Isso
me acontece com frequência. Em As pedras não morrem, por exemplo,
parti do fato de estar guardada na minha casa, em algum lugar, a máscara
mortuária de minha avó. Eu fantasiava muito em torno dessa máscara, que nunca
tive coragem de olhar, e dessa avó, morta em Dresden muito antes de eu nascer.
Me coloquei na pele de Irene, a protagonista, para viver com uma intensidade
doentia minha obsessão, leve na vida real, pela avó. Em O crime mais
cruel, parti da experiência de acompanhar de perto a angústia de uma
família que tem um de seus filhos sequestrado. Na ficção, o sequestrado era uma
criança e a família se estruturava de forma totalmente diferente da que viveu o
sequestro na vida real. Criei um tio, Próspero, que narra o passado da família
e ensaia escrever um romance policial. Assim, temos duas histórias que se
entrelaçam: o sequestro real (na ficção, naturalmente) e o sequestro inventado
pelo nada próspero Próspero, aprendiz de romancista. O livro mais pessoal de
todos os que já escrevi foi Maria Quitéria, 32. Ali estão crônicas
que contam em primeira pessoa episódios da minha infância em Ipanema nos anos
quarenta/ cinquenta. Hesitei muito em publicar esse livro, por ser
autobiográfico. Resolvi fazer uma edição pequena, destinada apenas a meus
amigos, mas a menina de Ipanema fez muito mais sucesso do que eu esperava e,
atendendo ao meu editor Elio Demier, resolvi colocar alguns livros apenas nas
livrarias de meu bairro.
Além
dos romances, você publicou três livros de contos e um de crônicas. O que muda
na hora de escrever cada um dos gêneros?
O
conto, breve, centrado numa única ou poucas ações e personagens, pede uma
concentração de recursos, enquanto o romance exige uma acumulação, um
desenvolvimento lento. Sou fã do conto, que se aproxima até certo ponto da
poesia, que me parece o gênero literário mais expressivo. Infelizmente não sou
poeta, mas o conto permite, pelo menos no que me diz respeito, mais liberdade
para voar pela metáfora e a linguagem figurada do que o romance. No conto, é
raro eu aproveitar experiências de minha vida pessoal, uso mais a imaginação.
Nesse território versátil, tanto posso matar mendigos, como ser prostituta. Aí,
tenho ciúmes, me vingo e, com muita frequência sou homem. Uso o humor, de forma
mais deliberada, e ensaio pequenos passos na área do fantástico. Passei a
escrever romances porque alguns textos começaram a crescer demais, havia muito
a dizer, muito a esmiuçar, de modo que eles não caberiam num conto. Nos meus
dois primeiros livros, O baile das feias e Grandes
Peixes vorazes, incluí textos vencedores em vários concursos, como os de
Paranavaí, (PR), Ourinhos (SP), São Bernardo do Campo (SP), Niterói e Rio de
Janeiro (o então muito prestigiado concurso Stanislaw Ponte Preta).
É
possível destacar, entre tantas obras, a mais especial para você? Por quê?
É
difícil para a mãe dizer de que filho gosta mais. Todos têm importância, por
uma razão ou por outra. No momento, acho Vícios ocultos mais
especial por se tratar de um filho injustiçado, pouco divulgado, que não teve
chance de mostrar o seu valor. Cada um dos meus outros livros viveu seu pequeno
momento de glória. As pedras não morrem e O crime mais
cruel, por exemplo, foram vendidos para o PNBE. Muita gente se identificou
com Maria Quitéria 32. Ninguém é feliz no paraísoestá
tendo boa repercussão. Vícios Ocultos ainda precisa de mim e
só por isso é mais especial.
E
para o futuro, tem algum novo projeto em mente?
Para
um futuro próximo, tenho dois. Participar do livro Mapas de viagem,
junto com meu grupo Estilingues, composto por sete escritores, juntos há quase
25 anos, num projeto que começou em 2010 com a publicação de Amores
vagos. O projeto prevê a produção e distribuição gratuita de livros de
contos, que, uma vez lidos, devem ser passados adiante. O objetivo é estimular
a leitura da boa ficção brasileira. O segundo projeto é concluir o romance
ainda sem título em que venho trabalhando nos últimos tempos.
Esse grupo Estilingue é o máximo. Miriam, lí os contos de Amores Vagos e cometi um pecado: não passei o livro pra frente. Aprisionei-o aqui na minha estante. Foi bom, pois só para saborear seu texto vou reler 'Quinze'. Também gosto de usar a imaginação ao escrever contos; fico feliz de encontrar alguma semelhança no nosso fazer literário. Adorei a entrevista.
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