O escritor catarinense Godofredo De
Oliveira Neto acaba de relançar, pela Ed. Record, seu romance O bruxo do
Contestado, às vésperas do centenário do conflito armado que
aconteceu na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina. Publicada originalmente
em 1996, a obra – de envergadura nacional, segundo Antonio Houaiss – foi
estudada em várias instituições do país, como a Academia Militar de Agulhas
Negras, universidades e escolas do ensino médio. Nesta entrevista, Godofredo
fala sobre a nova edição, seu processo de pesquisa e o diálogo que estabelece
entre realidade e ficção.
O bruxo do
Contestado (Record, 2012) – que
acaba de ser relançado, 100 anos após o conflito – foi publicado originalmente
em 1996. O que o leitor pode esperar desta nova edição?
Todas as informações
sobre o Contestado foram checadas e rechecadas. Os detalhes mais importantes da
guerra vêm narrados aos poucos no decorrer do texto pela escritora Tecla. Uma
narradora que escreve do exterior do acontecimento, buscando assim maior
objetividade. No capítulo XV ela resume toda a Guerra do Contestado e a compara
com a II Guerra Mundial e os fatos políticos de 1964 no Brasil. O Contestado
persiste, assim, até os dias de hoje. Alguns trechos que escaparam na primeira
versão foram incorporados nesta edição, alguns dados aperfeiçoados.
Embora tenha deixado cerca de 15 mil mortos, esse conflito civil na região do Contestado, fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, não é muito divulgado. Por que essa tendência, na sua opinião? O que motivou você a resgatá-lo?
Penso que o conflito foi
o maior acontecimento social organizado no Brasil do século XX, o maior
conflito fundiário brasileiro daquele século. Empregaram-se aviões com fins
militares pela primeira vez no continente, foram testadas armas que seriam
usadas na I Guerra Mundial. As primeiras greves organizadas se deram ali. O
Contestado está entre os grandes embates ideológicos no ocidente no século XX,
temia-se o surgimento de um país independente socialista na região. Segundo
depoimentos e informações que colhi, representantes de tendências ideológicas
mundiais estiveram presentes, do Secretariado americano, do Partido dos
Trabalhadores Russos, do Partido trabalhista Inglês, da Confederação do
operariado argentino e por aí afora. No entanto, a guerra do Contestado tinha
começado apenas super-regionalmente. Mas era fronteira com a Argentina, então
Buenos Aires ficou de prontidão. Houve também uma enorme tensão racial entre
colonos alemães e italianos, chamados para colonizar a terra habitada por
moradores há décadas e décadas, e o Brasil cafuzo. O litoral e o sertão de novo
em choque, como em Canudos. Só que agora havia ainda a presença de sete mil
trabalhadores vindos do Recife e do Rio para construir a estrada de ferro, e
que acabaram largados por lá, e que, claro, se juntaram aos revoltosos. O Rio
político ficou em polvorosa. O STF foi acionado, Ruy Barbosa foi o advogado do
Paraná, Epitácio Pessoa de Santa Catarina. A jovenzinha República se assustou,
os revoltosos eram monarquistas. O Governo Central estava perdendo a parada.
Enfim, uma confusão dos diabos que, para a sorte do governo do Rio, a eclosão
da I Grande Guerra empurrou o conflito para debaixo do tapete. E assim se
manteve por décadas.
Você investiu em algum tipo de pesquisa para escrevê-lo?
Você investiu em algum tipo de pesquisa para escrevê-lo?
Compulsei todos os
arquivos e obras sobre o tema. Me vali também livremente de dados fornecidos em
rodas familiares (sou sobrinho do General Mesquita, que serviu em Canudos como
soldado e foi depois enviado para o Contestado). A pesquisa levou anos. Um
ponto importante e difícil é justamente cortar, caso contrário daria duas mil
páginas! Inviável em todos os aspectos.
Apesar de inspirado num
conflito real, O bruxo do Contestado é um livro de
ficção. O que é realidade e o que é ficção na sua história?
É, como chamam os
especialistas, um romance de extração histórica, não é um ensaio de história
nem um romance histórico. Há, por ser justamente uma ficção, alguma licença
poética, como Euclides fez no seu Os Sertões, aliás. Me considero
romancista antes de tudo. Mas construo um diálogo entre verdades históricas,
com trechos de jornal da época, com situações literárias. Os historiadores
estarão em melhor situação do que eu para estabelecer a "verdade
verdadeira". Mas dados para serem interpretados estão nas folhas do Bruxo.
Existe a expectativa de
que um outro romance seu, Amores exilados (Record,
2011), seja adaptado para o cinema. O que essa possibilidade representa para
sua obra?
Tenho recebido muitos
contatos de pessoas que querem escrever um roteiro a partir do livro. Estou
estudando, o roteiro do Amores exilados ficou ótimo, queria
que o do Bruxo também ficasse.
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