quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

"O Barão do Café" e o resgate de uma época


O resgate da história de uma família, que dialoga com o resgate da cultura e dos costumes de uma época. Foi essa a proposta do romance histórico familiar "O Barão do Café" (Ed. Jaguatirica digital), escrito a quatro mãos pela escritora Vera Moll e pela pesquisadora Sônia Mileipe, irmãs e netas do personagem que conduz a história, Manoel da Silva Motta, um dos maiores produtores de café do país na virada do último século.

Nesta entrevista a Shahid, Vera Moll fala sobre conquistas e entraves durante a escrita do livro, comenta sua repercussão e revela detalhes dos bastidores: das fotografias que extrapolam o simples retrato de família ao mapa astral que as ajudou a reconstituir a trajetória do avô. "Como escritora posso dizer que a literatura é uma atividade gratuita por definição, sem propósitos comerciais ou sucesso. É o leitor que dá sentido à obra, que a multiplica e enriquece", diz.

Você e Sônia passaram quase cinco anos debruçadas sobre documentos, fotos e relatos para reconstituir em detalhes a história da família. Qual foi o momento mais agradável desse processo, e o mais difícil?
Os melhores momentos foram aqueles em que algumas descobertas foram feitas, como quando conseguimos a certidão de meu avô. Na época dele não havia registro civil, então o documento que tínhamos em mãos era uma cópia do seu batistério. A partir dele encontramos os parentes remanescentes em Portugal, descobrimos a quinta que a família possuía e a casa em que nosso avô nasceu, coisas que nos pareciam impossíveis de obter. A elaboração do texto exigiu muita disciplina e consumiu três anos e meio de trabalho diário. O mais difícil foi enfrentar a desconfiança de parte da família, que não acreditava que teríamos isenção para contar a história.

Uma das fotos de família usada como fonte de pesquisa
Quais foram os desafios que encontraram durante as entrevistas e as viagens?
Os desafios foram de toda ordem. Alguns exigiram uma estratégia de pesquisa que apenas Sônia estava apta a fazer. As entrevistas demandaram não só deslocamentos, mas o enfrentamento de resistências nem sempre fáceis de ser quebradas, além de tensões e dúvidas dentro da família quanto ao esforço que realizávamos. Em Portugal fomos favorecidos pelo serviço eficiente das instituições portuguesas e amigos que fizemos pelo caminho. Uma coisa que eu aprendi com o exercício da escrita foi que, quando começamos uma coisa, não sabemos aonde ela vai nos levar. Em geral, muito mais longe do que pretendíamos.

Vocês disseram noutra entrevista que as fotografias foram essenciais no resgate de aspectos da família e da própria sociedade. Por quê?
As fotografias faziam parte da nossa memória e parte delas lá estiveram anos a fio nos desafiando a recontar o que registravam. A fotografia do casamento de tia Arlete, em setembro de 1941, por exemplo, é um retrato que fala não só de nós, mas do feitio da família brasileira que se constitui no seio da burguesia recém-formada. Essa foto que vimos e revimos no belo álbum que mamãe possuía esteve o todo tempo nos chamando, convocando, exigindo. E tínhamos um álbum inteiro que nos permitia ainda reconstituir a época em seu vestuário, costumes, estética e ideologias que vigoravam dentro da sociedade brasileira.

No capítulo "Centauro" vocês contam como reconstruíram a figura do avô Manoel a partir de um mapa astral. Qual foi a importância desta investida?
Manoel nasceu em 28 de fevereiro e, segundo a astróloga, o sentimento que melhor traduz seu signo, Peixe, é o da compaixão. Os piscianos têm imaginação fértil, estão sempre a construir castelos e, se a realidade é muito dura, tendem ao escapismo. O ascendente de Manoel está em Aquário, que o coloca à frente de seu tempo, e por isso seu discurso é revolucionário. A combinação de sonhador e revolucionário poderia ser explosiva por lhe faltar o senso de realidade, mas seu destino foi traçado com o favor dos astros. Na casa 1, por onde passa o aguadeiro (Aquário) e onde está o seu sol (Peixe), aparece seu primeiro planeta, o severo e exigente Saturno, exigindo em tudo compromisso e responsabilidade.

As irmãs e autoras Sônia Mileipe e Vera Moll
Qual a importância, em sua opinião, de ver recuperada a trajetória de seu avô? E de ver recuperada uma trajetória maior, que dialoga com a história do país?
Reinscrever a história de meu avô é um antigo anseio da família, alguns de seus filhos e netos alimentaram durante anos o propósito de colocá-la no papel. Com "O Barão do Café", o orgulho da família e o sentimento de que sua vida daria um romance foram finalmente contemplados e a sensação é de dever cumprido. Por outro lado, um personagem insere-se no seu tempo e vive segundo seus costumes de modo que, para que determinados atos e atitudes possam ser compreendidos, é preciso que sejam vistos à luz da história do país e, ainda mais amplo, da história universal que reduz todos à sua vontade e circunstância.

Como os familiares têm recebido o livro?
Essa era a grande preocupação que tínhamos porque estávamos trabalhando com a história do outro, estávamos trilhando por caminhos delicados quando poderíamos pisar sobre sonhos e vivências íntimas que são pessoais e intransferíveis. Mas aos poucos todos foram conquistados pela seriedade das pesquisas feitas e a resposta foi demonstrada no lançamento, quase uma festa, da qual muitos saíram com vários livros, um para cada membro da família.

Qual a principal expectativa de vocês, autoras, com a publicação desse romance?
Como escritora posso dizer que a literatura enquanto poética é uma atividade gratuita por definição, sem propósitos comerciais ou sucesso. O objetivo do escritor é a execução de sua obra. "O Barão do Café", enquanto saga de uma família, é também um romance e se inscreve na ordem da literatura. Portanto, se o reconhecimento do valor do livro vier por acréscimo, agradecemos. Mas não podemos negar que é o leitor que dá sentido à obra, que a multiplica e enriquece, pois haverá tantas leituras quantos leitores houver.

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