sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ana Paula Maia, habitante de outros mundos


Com quatro romances publicados, escrita irreverente e paixão pelo que faz – sobretudo pelas possibilidades da literatura –, Ana Paula Maia relança nesta terça-feira (18) O habitante das falhas subterrâneas (Oito e meio), agora para o público jovem. Neste livro que marcou sua estreia na literatura, editado pela primeira vez em 2003 (7Letras), a autora reconta a história de Ariel, jovem inquieto que se lança a escrever sobre suas angústias e descrenças no mundo. Nesta conversa com a Shahid, Ana Paula fala sobre inspirações e amadurecimento, elogia a nova edição do livro e adianta sua próxima obra, De gados e homens, que sairá pela Record em 2013.

O habitante das falhas subterrâneas é inspirado no clássico O apanhador no campo de centeio, do escritor americano J.D. Salinger. Por que optou por essa referência? Como foi escrever em primeira pessoa a história de um garoto de 17 anos em conflito?
Esse livro foi escrito no início de 2002. Eu ainda tinha muitas lembranças da minha adolescência, porém, ela não é contada no livro. Já as sensações e intenções do personagem são semelhantes às de muitos adolescentes. O apanhador no campo de centeio foi um livro muito importante na minha formação como leitora e escritora. O habitante foi o primeiro livro que escrevi e foi importante me pautar numa referência tão forte como a do Salinger. A partir do segundo livro, caminhei por conta própria. Estar na cabeça de um garoto de 17 anos não foi complicado. Pensei como eu pensava nessa idade.

A primeira edição de O habitante é de 2003, quase dez anos atrás. Por que a ideia de agora adaptá-la ao público jovem? Que mudanças foram feitas para a nova edição?
Nesta reedição tive o cuidado de retirar os palavrões, por exemplo. E alguma apologia às drogas. É o mesmo livro, porém o personagem não é um desbocado. A trama permanece e enxuguei algumas páginas das quais eu não gostava. Essa edição está arejada, mais organizada e bonita. O livro ainda conta com um índice de referências, pois, embora a história se passe no início dos anos 2000, tem muitas referências pops de décadas anteriores.

O que mudou na escritora Ana Paula Maia ao longo desse tempo?
Minha escrita se encontrou quando escrevi meu segundo romance (A guerra dos bastardos, 2007) e posso dizer que se firmou quando escrevi o terceiro (Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, 2009). Não é fácil encontrar a própria voz na literatura, mas quando ela existe na sua cabeça, na sua alma, ela sai.

Em 2006 você publicou o primeiro folhetim pulp da internet, a novela Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos. O que isso significou para a sua carreira de escritora?
A publicação do folhetim em si significou pouco, mas encontrar o Edgar Wilson fez toda a diferença para meus textos e para mim. Esse personagem é parte viva da minha literatura.

Seu próximo romance, De gados e homens, está para sair pela Record em 2013. O que podemos esperar dele?
Esse livro é um projeto que eu já queria escrever faz uns três anos. Antes, escrevi Carvão animal. Em De gados e homens, o elemento sobrenatural aparece pela primeira vez, mas só lendo o livro para saber como, se não estraga a surpresa. Edgar Wilson é o protagonista dessa história que acontece dois anos depois de Carvão animal e, ao lado dele, alguns personagens importantes surgem, como o caçador e capataz chamado Bronco Gil. Um tipo que me agradou muito na história. O livro se desenrola num matadouro de gado bovino numa região fictícia, mas que se parece com várias partes do Brasil. A cidade é fictícia e os personagens também, mas o que acontece lá é real e faz parte de nossas vidas.

Clarice reescrita


Doze escritores de diferentes origens, idades e formações homenageiam Clarice Lispector, 35 anos após sua morte, reescrevendo seus personagens em contos. O resultado é a coletânea Extratextos 1: Clarice Lispector, personagens reescritos, que será lançada no Rio de Janeiro na próxima quarta feira, dia 18. Publicado pela editora Oficina Raquel, o livro é o primeiro volume da coleção que homenageará outros gigantes da literatura, brasileiros e estrangeiros.

O elenco trás nomes consagrados da literatura brasileira, como Silviano SantiagoGodofredo de Oliveira NetoConceição Evaristo e Evando Nascimento. Comparecem também os estrangeiros Maria Teresa HortaVera DuarteHélia CorreiaPedro Eiras e Vera Giaconi, além do brasileiro Joseli Ceschim. O livro é organizado por Luis Maffei e Mayara R. Guimarães, que também participam como contistas.

Lançamentos
Rio de Janeiro 
19/12, quarta-feira, das 18h30 às 22h30
Ateliê Cortiço, Rua Buenos Aires, 282, Centro
Presença de autores
Leitura de textos do livro e de Clarice com a atriz Juliana Xavier
Música ao vivo com o saxofonista Daniel Santos

São Paulo 
20/12, quinta-feira, das 18h30 às 22h00
Centro Cultural b_arco, Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426, Vila Madalena
Presença de autores
Leitura de textos do livro e de Clarice com os atores Júlia Perucci e Osvaldo Romano
Música ao vivo com o pianista Flavio Romano

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Quatro doses do JABUTI


Com 33 anos de carreira e 40 livros publicados, Stella Maris Rezende comemora, merecidamente, três Jabutis, prêmio mais importante da literatura brasileira.


A mineira de Dores do Indaiá foi laureada com o Jabuti Melhor Livro Juvenil em primeiro e em segundo lugar por seus romances A mocinha do Mercado Central (Globo Livros) e A guardiã dos segredos de família (Editora SM).

A felicidade – demais da conta, como Stella gosta de dizer – não parou por aí: a escritora recebeu, na noite do dia 29 de novembro, o Jabuti Melhor Livro de Ficção do Ano.

Outro cliente da Shahid a erguer o Jabuti este ano foi Samico (Bem-te-vi), escolhido Melhor Livro de Arte de 2012.

Parabéns, com muito orgulho, aos vencedores!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Maria Silvia Camargo: tempo de criar

Jornalista há 31 anos, autora de livros de não-ficção e peças de teatro, Maria Silvia Camargo lançou, há um mês, seu primeiro romance. Quando ia me esquecendo de você (7Letras, 2012) começou a tomar forma de livro em 2008, quando a autora decidiu "parar para escrever" – e voltou à PUC, onde se formou, para sua segunda graduação em Formação de Escritores. O resultado é a história de duas amigas de infância que se reveem depois de anos graças aos diários que uma, então à beira da morte, resolve deixar de herança à outra. Nesta conversa com a Shahid, Maria Silvia fala sobre o curso que resultou no livro, diários, jornalismo, criação e tempo para escrever.

Quando ia me esquecendo é fruto do curso de Formação de Escritores que você fez na PUC. Por que decidiu fazer o curso?
Ao escolher minha profissão, aos 19 anos, sabia que viveria de escrever. Mas julguei, acertadamente, que o jornalismo me daria maiores possibilidade de emprego e maior expansão pessoal (era muito tímida). Mesmo assim continuei querendo escrever ficção. Em 2008 retornei à PUC para esta nova habilitação em Letras, criada há quatro anos, que é exatamente o que precisava: oficinas práticas (conto, romance, crônica, ensaio, poesia, etc.) e muita leitura, muita literatura.

Como se deu esse processo de escrita?
Quando entrei no curso, tinha uma página do romance rascunhado e uns 20 contos/crônicas. Mostrei a página aos professores que escolhi como orientadores (Paulo Henriques Britto e Pina Coco) e eles me disseram que, se transformasse aquela ideia num romance, poderia ser meu trabalho final. Só o leram e nos encontramos uma vez, quando Paulo disse que eu deveria mudar o final. Mudei e entreguei, eles gostaram e me aconselharam a publicar. A maior dificuldade foi lidar comigo mesma (driblando as demandas de jornalismo e todo um ritmo de vida), sentar na cadeira e escrever.

O livro conta a história de duas amigas, já adultas, que trocam diários desde a infância. No que se inspirou para escrevê-la?
Escrevo diários desde os 12 anos. Recentemente tive que jogar fora alguns, pois não tenho mais espaço para eles. Foi então que pensei: "e se eu morrer, quem pode ler isto?". Fiz um testamento, nomeando uma amiga (a quem dedico o livro) herdeira dos diários. Daí me veio o mote para o livro: "e se duas amigas de infância, que não se veem direito há dez anos, ficam sabendo uma da outra através de uma herança?".

Você já publicou três livros de não-ficção, além de textos teatrais. Como foi para você escrever seu primeiro romance?
Livros são diferentes de teatro. Aliás, um dos motivos que me fez tentar teatro foi não ficar tão solitária no processo. Uma atriz que leu um livro meu de jornalismo (Mulher & Trabalho – 32 Histórias, da Editora 34) foi quem me pediu que escrevesse uma peça pra ela. Escrevi duas e foi coletivo, debatíamos, fazíamos leituras. Continuo me sentindo solitária com os livros, mas eles são mais simples que teatro, dependem quase que só de mim – pelo menos na feitura.

Pensa em dar continuidade à carreira de escritora?
Sou escritora, faltava escrever! Meu processo foi assim: depois de 21 anos de jornal queria meu tempo de volta. Escrever é isto. É ter tempo. Ninguém faz literatura sem tempo, caso contrário vai olhar para uma mesa e reproduzir: "mesa". Não há criação neste processo. Mas, se puder gastar bastante tempo de bobeira olhando para as coisas, quem sabe não tenho uma ideia boa?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

É feira ou é festa? É festa!



Uma festa para o povo! Foi exatamente isto que senti ao participar da VIII Festa Literária Internacional de Pernambuco e de seus núcleos de atividades.

Este sentimento surge ao ver pessoas de todas as classes sociais se envolverem com a multiplicidade de temas propostos e com as várias maneiras de travarem contato com o livro e a literatura.

Não somente os amantes de Nelson Rodrigues puderam se deliciar com os debates do Congresso Literário. Os leitores também conheceram novos escritores e compartilharam momentos com os já tão queridos. Não somente os adultos foram contemplados: tinha muita festa para as crianças, os jovens... e até para os bebês!

Não somente através de formas tradicionais foi possível mergulhar no mundo literário, mas também utilizando linguagens e ferramentas variadas: cinema, música, oficinas práticas, gastronomia, ecologia, mundo digital... e o povo participou de tudo!

Foi uma festa de prazer para os cinco sentidos. Para os olhos, o charme de Olinda, a diversidade de rostos e olhares que compõem nossa gente e os sorrisos múltiplos, incansáveis, encantadores. Na pele, sol de rachar, braços roçando, roupa que gruda e o fresquinho do ar refrigerado... porque ninguém é de ferro! Ao paladar, o contraste entre as delícias dos chefs e os populares pastéis, acarajés e tapiocas preparados na hora. Os cheiros no ar eram muitos, dos tipos pipoca, flor se abrindo, suor infantil, café, tinta no papel. Para os ouvidos foram reservados momentos mágicos como a voz de Bethânia, o lamento flamenco, a criançada cantando, a música medieval na calçada e as melodias de Capiba, sob a batuta de mestre Suassuna.

Quatro autores da Shahid estiveram nesta Fliporto: José Eduardo Agualusa, com sua literatura arrebatadora; Sonia Rodrigues, presente de corpo e alma; José Castello, divertido e gentil; e Luis Eduardo Matta, irreverente e cativante.

Tudo refletiu cultura, alegria, cumplicidade, dedicação e prazer... e o povo adorou!

Por Isabel Valle, enviada especial da Shahid à Fliporto 2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Da vivência à escrita de Adilson Xavier


Dosando as experiências que teve na publicidade, no direito e na própria literatura, Adilson Xavier lança às páginas de seu segundo romance, Sobrevoando Babel (Record), um olhar crítico e ao mesmo tempo sensível sobre a fragilidade das relações sustentadas pelas aparências do mundo moderno. Seu protagonista, um executivo de sucesso, é no fundo frustrado e sozinho. Nesta conversa à Shahid, Adilson compara Sobrevoando a seu livro anterior, fala sobre a importância da escrita em sua vida, de onde extrai a ‘matéria-prima’ de seus livros e do desejo de continuar se desafiando.

Como surgiu Sobrevoando Babel?
Surgiu da minha vontade de abordar o vazio existencial em que o mundo globalizado está se metendo, falar da superficialidade crônica da vida moderna, a partir dos "bem-sucedidos", dos que ostentam cargos importantes, realizam seus sonhos de consumo, ganham mais do que precisam e, ainda assim, seguem acumulando infelicidade. Mas também surgiu como um contraponto ao meu romance anterior, E. O Atirador de Ideias, onde o protagonista é humilde, vindo do interior para o Rio de Janeiro e, empenhado em seguir um conselho de seu pai para "ser alguém", encontra um sentido maior em sua vida. Os protagonistas dos dois livros são absolutamente opostos, mas complementares. O Douglas, de Sobrevoando Babel, era necessário para fechar o raciocínio iniciado com o José, do Atirador de Ideias.

E que relação há entre os dois livros?
A relação é forte, é mais ou menos como falar do convívio dos "alguéns" com os "ninguéns". Os "ninguéns" sonhando passar para o time dos "alguéns", por considerar que ali está a felicidade. E os "alguéns" ignorando solenemente a existência dos "ninguéns", sequer os enxergando, sentindo-se como os donos do mundo enquanto se perdem de si mesmos. O "alguém" de Sobrevoando Babel passa por cima dos "ninguéns" como o José do Atirador de Ideias. Eles não se comunicam, e no fundo de tudo o que eu escrevo o grande tema é sempre a comunicação, ou a falta dela.

Quanto dos seus livros vem da sua vivência na publicidade?
A matéria-prima da escrita é a vivência. E a publicidade proporciona uma riqueza de vivências muito grande. Um dia estamos estudando as donas de casa da classe C, outro dia estamos lançando um carro para os executivos da classe A, e assim por diante, o que acaba nos ensinando muito sobre o comportamento humano. Sem falar nos relacionamentos com clientes dos perfis mais distintos e com parceiros de trabalho, no Brasil e no exterior. Fora isso, as experiências vividas como advogado especializado em Direito de Família no início de minha vida profissional são fonte inesgotável de características para meus personagens.

Quando decidiu se tornar escritor? Que espaço a literatura ocupa em sua vida?
Foi por volta de 2004, quando decidi que tentaria colocar no papel minhas ideias sobre a extraordinária competência comunicativa de Jesus Cristo. Só tive certeza de que era capaz de escrever um livro quando coloquei o ponto final no Deus da Criação. Aquilo me deu uma alegria tão grande que não quis mais parar. A literatura coloca minha vida em perspectiva. Lendo, posso ampliar meu leque de vivências e aprender a me comunicar cada vez melhor. Escrevendo, posso esquadrinhar tudo o que me cerca, brincar com o imaginário e ganhar mais musculatura. Literatura é como ginástica, se não pratico, fico pesado, menos saudável.

Quais seus planos para o futuro?
Continuar me desafiando. Colocar mais ideias na rua, explorar mais possibilidades narrativas. É uma delícia a sensação de iniciante toda vez que começo a desenvolver um projeto. Quando lanço um livro, já tenho outro em processo de criação. Meus planos para o futuro? Criar futuros (risos).

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Escritores da Shahid em eventos literários em 2012

05/11 – Angela Dutra de Menezes
08/11 – Leandro Narloch

Sempre um papo, com Afonso Borges (SP)
6/11 – João Gilberto Noll
13/11 – José Eduardo Agualusa

FLIARAXÁ  Feira do Livro de Araxá (MG)
10/11 – José Eduardo Agualusa

FLIPORTO  Festa Literária Internacional de Pernambuco (PE)
15 a 18 de novembro
José Castello
Sonia Rodrigues
José Eduardo Agualusa
Luis Eduardo Matta

27/11 – Marcos Eduardo Neves

FLIMAR  Festa Literária Marechal Deodoro (AL)
29/11 – Marilia Arnaud

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

As palavras e os silêncios de Marilia Arnaud


Suíte de silêncios (Rocco, 2012) é o primeiro romance da paraibana Marilia Arnaud, já premiada como contista. Sete anos depois de publicar O livro dos afetos, sua obra mais recente, a escritora volta a falar sobre sentimentos e perdas. Em Suíte, Duína se vê tendo de lidar com o abandono pela segunda vez em sua vida – e assim reconstrói, em dois relatos que se alternam no tempo, suas lembranças e desesperanças. Em entrevista à Shahid, Marilia – que vê na internet uma aliada dos autores de fora do eixo Rio São Paulo – fala sobre sua formação literária, seu amadurecimento como escritora, prêmios e reconhecimentos e os mistérios que envolvem sua criação.

Entre O livro dos afetos e Suíte de silêncios, passaram-se sete anos. O que amadureceu na escritora nesse período?
Como não tenho pressa em publicar, trabalho com afinco e determinação, sempre disposta a fazer melhor do que já fiz. Cobro muito de mim mesma. Não tenho dúvidas de que dei um salto entre o meu último livro de contos e o primeiro romance. Isso é natural, quando se investe na carreira literária. Se o escritor não avança, se permanece com o mesmo texto, não é escritor. Então, é melhor desistir.

Como surgiu Suíte de silêncios?
Tracei um esboço de um romance, e acabei escrevendo outro. A criação é algo bem misterioso! De início, projetei apenas uma violinista obsessiva e atormentada com a própria falta de talento, porque queria escrever sobre o valor da arte na vida das pessoas, e foi outra mulher que se impôs, com uma história de vida que eu não planejara, como se o livro se escrevesse por ele mesmo. É isso que costumo chamar de o sopro da criação. Você está ali, com uma determinada história para contar, e de repente, como se alguém soprasse no seu ouvido, você vai escrevendo outra.

Você já disse que escrever Suíte de silêncios exigiu muito de si. Por quê?
Inicialmente, pelo fato de ser o meu primeiro romance. Penso que as dificuldades na construção de um romance não são maiores do que aquelas com que nos deparamos na de um conto, são, na verdade de uma outra ordem. Penei até encontrar o tom, o ritmo certo, e a coisa começar a fluir. Além da tensão dolorosa que envolve a própria escritura, o Suíte de silêncios é uma história de perdas, abandono, desesperança. Acabei sendo tomada pelas lembranças de Duína, a protagonista, por seus sentimentos de desamparo e inadequação.

Qual é a sua formação literária? Quando e como começou a ler e escrever?
Meu pai tinha uma boa biblioteca em casa e, na escola, exigiam (mesmo!) que lêssemos José de Alencar, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Machado de Assis, entre outros. De certa forma, todos os grandes escritores que li despertaram em mim o desejo de escrever. Zola, Balzac, Eça de Queiroz, Dostoievsky, Tolstoi, Shakespeare, André Gide, Marguerith Yourcenar, Virgínia Woolf... Também comecei a escrever ainda menina. Escrevia à noite e lia na manhã seguinte, na hora do recreio, para meia dúzia de colegas que abriam mão das brincadeiras para ouvir minhas histórias.

O fato de viver longe do eixo Rio São Paulo atrapalha a carreira do escritor?
Dificulta, sim. Mas acho que já foi bem pior. Houve um tempo em que não se conseguia sequer fazer um editor ler os originais de um autor que vivesse fora do eixo, com raras exceções. A internet, os blogs literários, as redes sociais abriram um canal de interação entre o meio literário do eixo Rio São Paulo e o resto do país, facilitando a vida de todo mundo que escreve.

O que mais gostaria que acontecesse com Suíte de silêncios? Um prêmio literário?
Gostaria que o Suíte de silêncios tivesse muitos leitores. Leitores espalhados pelo Brasil inteiro. Que fosse editado noutras línguas. Um prêmio literário? Também! Até porque o prêmio traz com ele mais leitores. Qual o escritor que não deseja o reconhecimento público do seu trabalho?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O incrível geneticista de Angela Dutra de Menezes


Em O incrível geneticista chinês (Ed. Record, 2012), seu oitavo romance, Angela Dutra de Menezes narra com ironia e bom humor – pela voz do chinês Zhang – as peripécias de um cientista em suas pesquisas cromossômicas atrás da cura da obesidade e da chatice. "Não há jeito de sobreviver a alguma coisa que nos maltrata sem ser pelo viés do humor", diz. Traduzida para Portugal e Espanha, Angela – que faz do cotidiano matéria-prima para seus livros – fala nesta entrevista sobre seus personagens, seus incômodos e inspirações.

Em quem você se inspirou para criar o Dr. Wang? E sua 'cobaia', o chinês Zhang Cheng?
Em mim mesma, em muitas pessoas à minha volta. Principalmente naquelas que me incomodam por não terem a menor noção de limites. A verdade é que, de um jeito ou de outro, todos temos as nossas chatices. E nenhuma paciência para suportar as alheias. Este livro e sua personagem principal, o Dr. Wang, nasceram da mesma maneira que os outros sete livros que já tenho publicados: observando o cotidiano.

O que a motivou a tratar – de forma crítica e ao mesmo tempo humorada – destas duas questões, a chatice e a obesidade?
Ambas me incomodam muitíssimo, sofro de ambas. Não há jeito de sobreviver a alguma coisa que nos maltrata sem ser pelo viés do humor. Se tenho alguma qualidade – acho que tenho e é a única – é o senso de humor. Aproveito-me dele. Minhas abordagens sempre são pelo lado mais ridículo. Nem todos entendem, o que posso fazer? Eu sou assim.

Quais foram suas fontes de pesquisa para sustentar o conhecimento dos seus personagens?
Fontes biológicas, nenhuma. Pesquei, aleatoriamente, termos na Internet. Para escrever um livro assim, ou conheceria biologia a fundo, o que não é o caso, ou deixaria claro que nada sei sobre o assunto. Fiz esta opção. Já não tenho tempo útil para aprender biologia.

O que O incrível geneticista chinês traz de novo em relação aos seus romances anteriores?
A ambientação e a nacionalidade das personagens. Não sei por qual motivo, elas nasceram chinesas e emigraram para Los Angeles, Estados Unidos. Este é o primeiro livro que sai completamente da minha cultura. Eu mesma achei estranho.

Já está planejando algum novo livro?
Não, estou parada, esperando para ver o que acontece. Literatura é apaixonante, mas, também, delicada. Agora, quero observar tudo muito bem. Depois, decidirei o que fazer.

Teatro e rock encenam conto de Marcelo Mirisola


Baseada no conto de Marcelo Mirisola, a peça Sobre os ombros dourados da felicidade (Punk Modo On) já está em cartaz no Rio de Janeiro. O novo espetáculo da Anti Cia de Teatro – concebido a partir da leitura de Mate-me, por favor, que narra a trajetória do movimento punk – leva aos palcos de teatro um show de rock.

Com a presença da banda Os Dissidentes, dois atores – Bruno Aragão e Janaína Russeff – narram ao microfone a história de um casal que vê seu futuro ameaçado por um cisto que surge no ombro da mulher. "A ideia inicial do projeto era desenvolver uma dramaturgia própria, mas quando reli o conto do Mirisola concluí o óbvio: bem mais punk e bem melhor do que qualquer dramaturgia que a gente venha a criar", disse o diretor Fernando Maatz, que sempre admirou o trabalho do escritor.

A peça é apresentada no Reserva+, todas as segundas até o dia 29 de outubro, sempre às 20h30. A entrada é gratuita.

SERVIÇO
Onde: Reserva+ (Av. Fransisco Otaviano, 67)
Quando: 01 à 29 de outubro. Segundas, às 20h30
Realização: Anti Cia de Teatro e CF Sócios
Título: Sobre os ombros dourados da felicidade (Punk Modo On)
Duração: 50 min
Faixa etária recomendada: 16 anos
Direção e Concepção: Fernando Maatz
Texto: Marcelo Mirisola

Elenco: Bruno Aragão e Janaína Russeff
Banda Os Dissidentes: Fernando Machado, Roberto Souza e Rodrigo Rua
Direção Musical: Roberto Souza
Vídeos e Concepção Visual: Renato Marques
Iluminação: Aramis David Correa
Fotos/Divulgação: Renato Marques


domingo, 7 de outubro de 2012

"O bruxo do Contestado" em nova edição


O escritor catarinense Godofredo De Oliveira Neto acaba de relançar, pela Ed. Record, seu romance O bruxo do Contestado, às vésperas do centenário do conflito armado que aconteceu na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina. Publicada originalmente em 1996, a obra – de envergadura nacional, segundo Antonio Houaiss – foi estudada em várias instituições do país, como a Academia Militar de Agulhas Negras, universidades e escolas do ensino médio. Nesta entrevista, Godofredo fala sobre a nova edição, seu processo de pesquisa e o diálogo que estabelece entre realidade e ficção.

O bruxo do Contestado (Record, 2012) – que acaba de ser relançado, 100 anos após o conflito – foi publicado originalmente em 1996. O que o leitor pode esperar desta nova edição?
Todas as informações sobre o Contestado foram checadas e rechecadas. Os detalhes mais importantes da guerra vêm narrados aos poucos no decorrer do texto pela escritora Tecla. Uma narradora que escreve do exterior do acontecimento, buscando assim maior objetividade. No capítulo XV ela resume toda a Guerra do Contestado e a compara com a II Guerra Mundial e os fatos políticos de 1964 no Brasil. O Contestado persiste, assim, até os dias de hoje. Alguns trechos que escaparam na primeira versão foram incorporados nesta edição, alguns dados aperfeiçoados.

Embora tenha deixado cerca de 15 mil mortos, esse conflito civil na região do Contestado, fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, não é muito divulgado. Por que essa tendência, na sua opinião? O que motivou você a resgatá-lo?
Penso que o conflito foi o maior acontecimento social organizado no Brasil do século XX, o maior conflito fundiário brasileiro daquele século. Empregaram-se aviões com fins militares pela primeira vez no continente, foram testadas armas que seriam usadas na I Guerra Mundial. As primeiras greves organizadas se deram ali. O Contestado está entre os grandes embates ideológicos no ocidente no século XX, temia-se o surgimento de um país independente socialista na região. Segundo depoimentos e informações que colhi, representantes de tendências ideológicas mundiais estiveram presentes, do Secretariado americano, do Partido dos Trabalhadores Russos, do Partido trabalhista Inglês, da Confederação do operariado argentino e por aí afora. No entanto, a guerra do Contestado tinha começado apenas super-regionalmente. Mas era fronteira com a Argentina, então Buenos Aires ficou de prontidão. Houve também uma enorme tensão racial entre colonos alemães e italianos, chamados para colonizar a terra habitada por moradores há décadas e décadas, e o Brasil cafuzo. O litoral e o sertão de novo em choque, como em Canudos. Só que agora havia ainda a presença de sete mil trabalhadores vindos do Recife e do Rio para construir a estrada de ferro, e que acabaram largados por lá, e que, claro, se juntaram aos revoltosos. O Rio político ficou em polvorosa. O STF foi acionado, Ruy Barbosa foi o advogado do Paraná, Epitácio Pessoa de Santa Catarina. A jovenzinha República se assustou, os revoltosos eram monarquistas. O Governo Central estava perdendo a parada. Enfim, uma confusão dos diabos que, para a sorte do governo do Rio, a eclosão da I Grande Guerra empurrou o conflito para debaixo do tapete. E assim se manteve por décadas.

Você investiu em algum tipo de pesquisa para escrevê-lo?
Compulsei todos os arquivos e obras sobre o tema. Me vali também livremente de dados fornecidos em rodas familiares (sou sobrinho do General Mesquita, que serviu em Canudos como soldado e foi depois enviado para o Contestado). A pesquisa levou anos. Um ponto importante e difícil é justamente cortar, caso contrário daria duas mil páginas! Inviável em todos os aspectos.

Apesar de inspirado num conflito real, O bruxo do Contestado é um livro de ficção. O que é realidade e o que é ficção na sua história?
É, como chamam os especialistas, um romance de extração histórica, não é um ensaio de história nem um romance histórico. Há, por ser justamente uma ficção, alguma licença poética, como Euclides fez no seu Os Sertões, aliás. Me considero romancista antes de tudo. Mas construo um diálogo entre verdades históricas, com trechos de jornal da época, com situações literárias. Os historiadores estarão em melhor situação do que eu para estabelecer a "verdade verdadeira". Mas dados para serem interpretados estão nas folhas do Bruxo.

Existe a expectativa de que um outro romance seu, Amores exilados (Record, 2011), seja adaptado para o cinema. O que essa possibilidade representa para sua obra?
Tenho recebido muitos contatos de pessoas que querem escrever um roteiro a partir do livro. Estou estudando, o roteiro do Amores exilados ficou ótimo, queria que o do Bruxo também ficasse.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"A gorda" de Anatole Jelihovschi


Depois de dar voz a um ex-piloto da Segunda Guerra, em Aves Migratórias (Planetário, 2005), e vida a um serial killer no Rio de Janeiro do século XIX, em Rio Antigo (Rocco, 2009), o escritor Anatole Jelihovschi publica A gorda (Ímã Editorial). Neste que é o seu terceiro romance, um homem sozinho e recém-separado é convidado a passar o réveillon num restaurante comandando por uma encantadora e enigmática mulher gorda, que acumula as funções de caixa, garçonete e cozinheira. Sem nada melhor para fazer – e sem conseguir esquecê-la – ele aceita o convite e se vê enredado em uma trama onírica protagonizada por ela. Nesta conversa com a Shahid, Anatole revela de onde veio a inspiração para o romance, fala sobre os desafios que encontra na hora de escrever e como a literatura entrou em sua vida. Confira.

De onde veio a ideia para o romance A gorda?
Essa ideia surgiu há uns 20 anos. Meu irmão foi a uma comemoração de reveillon (ao contrário do personagem, ele foi com a família) e contou, no dia seguinte, a história da Gorda. Ela fazia tudo, era a dona, servia – sem esquecer o show imperdível que, ao fim da festa, ela fazia também. Achei aquilo engraçado e guardei. Quinze anos depois – quando morava em Miguel Pereira (havia me mudado para escrever) e já tinha escrito dois romances – eu me lembrei do episódio. A princípio seria um conto. Mas mais histórias começaram a aparecer e A gorda virou um romance (ou novela).

Antes dele, você publicou Aves Migratórias e Rio antigo, com temáticas bem diferentes. Quais os desafios e inspirações na hora de escrever cada um deles?
O maior desafio é na hora de começar. As ideias parecem poucas e a impressão é de que o romance vai desaparecer no meio do caminho. Mas aí novas ideias aparecem e incorporam o romance – algumas muito boas, que me entusiasmam. Evidentemente cada romance tem uma história diferente. Esses dois saíram de noites insones, sonhos misturados a horas de vigília e, de repente, a ideia estava implantada. Mas o mais importante é a vontade de escrever. Se não as ideias vêm e vão.

Quando e por que começou a escrever?
Eu não decidi me tornar escritor, alguma coisa dentro de mim decidiu por mim. O primeiro romance eu escrevi aos 10 anos de idade. O segundo (maior, mais elaborado) aos 13. Estava apaixonado pela minha professora de português e dei a história a ela. Daí em diante foi uma sucessão de romances. Mas o primeiro a ficar realmente bom foi escrito em 1998, e ainda não foi publicado. Até então alguma coisa me travava, não sei o quê, algumas partes do romance ficavam boas, mas o todo não. E, de repente, começou a sair.

E para o futuro, planeja algum projeto novo?
Na verdade tenho 11 livros inéditos, para serem publicados. Por enquanto estou focado nisso.